segunda-feira, 13 de agosto de 2012

ATO VI - Manifesto - Nicanor Parra


eric blog
ANO I
N.6
São Paulo
2012


Para mim, na poesia, tudo tem de ser desmesurado
e não do jeito como todo mundo faz.
Anna Akhmátova, “Os mistérios do ofício”


ATO VI

Manifesto
Nicanor Parra

Título original: Manifiesto (1963)

http://www.letras.s5.com/archivoparra.htm

Tradução de Eric Dantas. São Paulo, 2012.


Senhoras e senhores
Esta é nossa última palavra.
Nossa primeira e última palavra
Os poetas desceram do Olimpo.

Para os nossos grandes poetas
A poesia foi um objeto de luxo
Mas para nós
É um artigo de primeira necessidade:
Não podemos viver sem a poesia.

Diferente dos nossos grandes poetas 
E digo com todo respeito
Nós acreditamos
Que o poeta não é um alquimista
O poeta é um homem como todos os outros
Um pedreiro que constrói seu muro:
Um construtor de portas e janelas.

Nós conversamos
Na linguagem do dia a dia
Não acreditamos em signos cabalísticos.
Além disso tem outra coisa:
O poeta está aí
Para que a árvore não cresça torta.

Esta é a nossa mensagem.
Nós denunciamos o poeta demiurgo
O poeta Barata
O poeta Rato de Biblioteca.
Todos esses senhores
E digo isto com muito respeito
Devem ser processados e julgados
Por construir castelos suspensos
Por desperdiçar o espaço e o tempo
Escrevendo sonetos para a Lua
Por agrupar palavras ao acaso
Conforme a última moda de Paris.
Para nós não:
O pensamento não nasce na boca
Nasce no coração do coração.

Nós repudiamos
A poesia de óculos escuros
A poesia de capa e espada
A poesia de chapéu largo
Caminhamos por outro lado
A poesia a olho nu
A poesia de peito aberto
A poesia de cabeça descoberta.

Não acreditamos em ninfas nem tritões.
A poesia tem que ser isto:
Uma moça rodeada de contratempos
Ou não ser absolutamente nada.

No entanto, no plano político
Eles, nossos avôs imediatos,
Nossos bons avôs imediatos!
Se refrataram e se dispersaram
Ao passar pelo prisma de cristal.
Alguns poucos se tornaram comunistas.
E não sei se foi pra valer.
Vamos supor que foram comunistas,
O que sei é outra coisa:
Que não foram poetas populares,
Foram uns reverendos poetas burgueses.

É preciso dizer as coisas como são:
Apenas um ou outro
Soube chegar ao coração do povo.
Cada vez que puderam
Se declararam de palavra e de fato
Contra a poesia dirigida
Contra a poesia do presente
Contra poesia proletária.

Aceitemos que foram comunistas
Mas a poesia foi um desastre
Surrealismo de segunda mão
Decadentismo de terceira mão
Pranchas velhas devolvidas pelo mar.
Poesia adjetiva
Poesia nasal e gutural
Poesia arbitrária
Poesia copiada dos livros
Poesia baseada
Na revolução da palavra
Em circunstâncias
De que deve fundamentar-se
Na  revolução das ideias.
Poesia de círculo vicioso
Para meia dúzia de eleitos:
“Liberdade absoluta de expressão”.

Hoje fazemos o sinal-da-cruz perguntando
Para que escrever essas coisas
Para assustar o pequeno-burguês?
Tempo miseravelmente perdido!
O pequeno-burguês não reage
A não ser quando se trata do estômago.

Que vão assustar com poesias!

A situação é esta:
Enquanto eles estavam
Por uma poesia do crepúsculo
Por uma poesia da noite
Nós propomos
A poesia do amanhecer.
Esta é a nossa mensagem,
Os esplendores da poesia
Devem chegar a todos por igual
A poesia ao alcance de todos.

No mais, companheiros,
Nós condenamos
E isto sim digo com respeito
A poesia dos deuses inferiores
A poesia da vaca sagrada
A poesia do touro furioso.

Contra a poesia das nuvens
Nós propomos
A poesia da terra firme
Cabeça fria, coração apaixonado
Somos pés-no-chão decididos
Contra a poesia de café
A poesia da natureza
Contra a poesia de salão
A poesia da praça pública
A poesia de protesto social.

Os poetas desceram do Olimpo.