eric blog
ANO I
N.6
São Paulo
2012
Para
mim, na poesia, tudo tem de ser desmesurado
e
não do jeito como todo mundo faz.
Anna
Akhmátova, “Os mistérios do ofício”
ATO VI
Manifesto
Nicanor Parra
Título
original: Manifiesto (1963)
http://www.letras.s5.com/archivoparra.htm
Tradução de
Eric Dantas. São Paulo, 2012.
Senhoras e senhores
Esta é nossa última palavra.
– Nossa primeira e última
palavra –
Os poetas desceram do Olimpo.
Para os nossos grandes poetas
A poesia foi um objeto de luxo
Mas para nós
É um artigo de primeira
necessidade:
Não podemos viver sem a
poesia.
Diferente dos nossos grandes
poetas
– E digo com todo respeito –
Nós acreditamos
Que o poeta não é um
alquimista
O poeta é um homem como todos
os outros
Um pedreiro que constrói seu
muro:
Um construtor de portas e
janelas.
Nós conversamos
Na linguagem do dia a dia
Não acreditamos em signos
cabalísticos.
Além disso tem outra coisa:
O poeta está aí
Para que a árvore não cresça
torta.
Esta é a nossa mensagem.
Nós denunciamos o poeta
demiurgo
O poeta Barata
O poeta Rato de Biblioteca.
Todos esses senhores
– E digo isto com muito
respeito –
Devem ser processados e
julgados
Por construir castelos
suspensos
Por desperdiçar o espaço e o
tempo
Escrevendo sonetos para a Lua
Por agrupar palavras ao acaso
Conforme a última moda de
Paris.
Para nós não:
O pensamento não nasce na boca
Nasce no coração do coração.
Nós repudiamos
A poesia de óculos escuros
A poesia de capa e espada
A poesia de chapéu largo
Caminhamos por outro lado
A poesia a olho nu
A poesia de peito aberto
A poesia de cabeça descoberta.
Não acreditamos em ninfas nem
tritões.
A poesia tem que ser isto:
Uma moça rodeada de
contratempos
Ou não ser absolutamente nada.
No entanto, no plano político
Eles, nossos avôs imediatos,
Nossos bons avôs imediatos!
Se refrataram e se dispersaram
Ao passar pelo prisma de
cristal.
Alguns poucos se tornaram
comunistas.
E não sei se foi pra valer.
Vamos supor que foram
comunistas,
O que sei é outra coisa:
Que não foram poetas
populares,
Foram uns reverendos poetas
burgueses.
É preciso dizer as coisas como
são:
Apenas um ou outro
Soube chegar ao coração do
povo.
Cada vez que puderam
Se declararam de palavra e de
fato
Contra a poesia dirigida
Contra a poesia do presente
Contra poesia proletária.
Aceitemos que foram comunistas
Mas a poesia foi um desastre
Surrealismo de segunda mão
Decadentismo de terceira mão
Pranchas velhas devolvidas
pelo mar.
Poesia adjetiva
Poesia nasal e gutural
Poesia arbitrária
Poesia copiada dos livros
Poesia baseada
Na revolução da palavra
Em circunstâncias
De que deve fundamentar-se
Na revolução das ideias.
Poesia de círculo vicioso
Para meia dúzia de eleitos:
“Liberdade absoluta de expressão”.
Hoje fazemos o sinal-da-cruz
perguntando
Para que escrever essas coisas
Para assustar o pequeno-burguês?
Tempo miseravelmente perdido!
O pequeno-burguês não reage
A não ser quando se trata do
estômago.
Que vão assustar com poesias!
A situação é esta:
Enquanto eles estavam
Por uma poesia do crepúsculo
Por uma poesia da noite
Nós propomos
A poesia do amanhecer.
Esta é a nossa mensagem,
Os esplendores da poesia
Devem chegar a todos por igual
A poesia ao alcance de todos.
No mais, companheiros,
Nós condenamos
– E isto sim digo com respeito –
A poesia dos deuses inferiores
A poesia da vaca sagrada
A poesia do touro furioso.
Contra a poesia das nuvens
Nós propomos
A poesia da terra firme
– Cabeça fria, coração
apaixonado
Somos pés-no-chão decididos –
Contra a poesia de café
A poesia da natureza
Contra a poesia de salão
A poesia da praça pública
A poesia de protesto social.
Os poetas desceram do Olimpo.